Registro: 2014.0000507904
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e
discutidos estes
autos
do
Apelação nº
0053524-30.2012.8.26.0053, da
Comarca de São Paulo, em que é
apelante WELLINGTON RAIMUNDO DE FARIA, é apelado FAZENDA DO ESTADO
DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 2ª Câmara
de Direito Público
do Tribunal de Justiça
de São Paulo, proferir a
seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão.
O
julgamento teve a
participação dos
Exmo.
Desembargadores
LUCIANA
BRESCIANI (Presidente) e JOSÉ LUIZ GERMANO.
São Paulo, 19 de agosto de 2014.
RENATO
DELBIANCO RELATOR
Assinatura Eletrônica
Voto nº 4912
Apelação Cível nº
0053524-30.2012.8.26.0053. Apelante : WELLINGTON RAIMUNDO DE FARIA Apelada : FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO Comarca : SÃO
PAULO
Juiz de 1º Grau: Dr. MARCELO SERGIO
Mandado
de
Segurança Policial Civil Aposentadoria especial Pretensão à concessão de aposentadoria especial,
com paridade e integralidade de vencimentos, de acordo com as regras estabelecidas no art. 40, § 4.º, inciso III,
da Constituição Federal, art. 126, § 4.º, da Constituição
Estadual, tendo em vista seu ingresso no serviço público
antes das EC nº 20/98 e 41/03, exercendo
atividade policial definido
como atividade perigosa
e insalubre - Lei Complementar Estadual nº
776/1994
e
a
Lei
Complementar
Federal
nº 51/85
Admissibilidade Tendo
preenchidos os requisitos exigidos, faz jus à concessão do benefício
- Aplicação do art. 3º da
Lei Complementar Estadual n.º 1.062/08 Paridade e integralidade que se reconhece
ao impetrante, nos termos
do parágrafo 4º do art. 40 da Constituição Federal,
segundo o texto da
EC 47/05 Precedentes Recurso provido.
Trata-se de recurso
de apelação interposto nos autos do
mandado de segurança impetrado por policial civil, visando
à concessão de aposentadoria especial
com supedâneo no art. 40, § 4º, inciso III, da Constituição Federal
c.c. Lei Complementar nº
51/85, com proventos integrais e paridade,
independentemente de sua idade, cuja ordem foi denegada
pela r. sentença de fls.
66/67vo, proferida com base no artigo 285-A do Código de
Processo Civil.
Sustenta o impetrante, em síntese, que o
§ 4º, do artigo 40, da Constituição Federal, encontra-se
regulamentado pela Lei Complementar Federal no 51/85, tendo em vista que a
referida lei foi recepcionada pela Carta de 1988. Alega que a Lei Complementar Estadual
no
776/94 estabeleceu que a atividade policial civil é insalubre e perigosa.
Afirma que a Lei Complementar Estadual no 1062/08 assegurou aos policiais civis
que ingressaram na carreira
antes da entrada
em vigor da Emenda
Constitucional no 41/03 não se exige o cumprimento do requisito de idade para fins de concessão de aposentadoria. Aduz
que
comprovou que
ingressou na carreira policial
em 1982 e possui mais de trinta anos
de contribuição previdenciária, sendo que
destes, mais de vinte anos de exercício em cargo
de natureza estritamente policial. Assevera, por fim, que faz jus à integralidade de vencimentos e à paridade
com os servidores da ativa. Afirma que o termo
inicial do direito subjetivo deve ser contado
a partir do requerimento administrativo e os reflexos pecuniários
desde a data da impetração.
O recurso recebeu resposta.
É o breve
relatório, adotado no mais, o
da r. sentença.
Visa o impetrante, policial
civil, à
concessão de aposentadoria especial, com paridade e integralidade de proventos,
nos termos da Lei Complementar nº 51/85, Lei Complementar Estadual nº 776/94, e
de acordo com as regras estabelecidas no art. 40, § 4.º, inciso
III, da
Constituição Federal1,
tendo em vista ter ingressado no serviço público antes das EC nº 20/98 e 41/03, exercendo
atividade policial considerada perigosa e insalubre.
A r. sentença,
nos termos do artigo 285- A do Código de Processo
Civil, denegou a segurança.
Irresignado, o impetrante
interpôs recurso de apelação.
Inicialmente, dispensável se mostra o retorno dos autos à primeira
instância para apresentação de informações pela autoridade coatora, uma vez que o feito
encontra-se suficientemente instruído e a Fazenda Estadual foi citada nos termos do § 2º, do artigo
285-A, do Código de Processo
Civil, apresentou contrarrazões ao apelo, de modo que o julgamento do presente
recurso não acarretará prejuízo ao princípio do contraditório.
A ordem deve ser concedida.
Estabelece o art. 1º da Lei Complementar
Federal nº 51/85, in
verbis:
1 Art. 40. Aos
servidores titulares de cargos
efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações,
é assegurado regime de previdência de caráter contributivo
e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio
Art.1.º O funcionário policial será
aposentado:
I voluntariamente, com proveitos integrais, após
30 (trinta) anos de serviço,
desde que conte, pelo menos 20 (vinte) anos de exercício em cargo de natureza
estritamente policial;
(...)
Em âmbito estadual, a Lei Complementar nº 776/1994, em seus arts. 2º
e 3º, prevê:
Artigo 2º - A atividade
policial civil, pelas circunstâncias
em que
deve ser
prestada, é considerada perigosa e insalubre.
Artigo 3º - Os funcionários e servidores policiais
civis serão aposentados
voluntariamente, com proventos integrais:
I - após 30
(trinta) anos de serviço se do sexo masculino, desde que conte, pelo menos 20 (vinte)
anos de exercício em cargo ou função estritamente policial; e
(...)
Oportuno salientar
que o art. 1º, inciso
I, da Lei Complementar n.º 51/85 foi considerado recepcionado pela Constituição Federal, quando
do julgamento da ADI n.º 3.817/DF,
pelo Supremo Tribunal Federal.
Prosseguindo, tem-se que da conjugação dos dispositivos acima mencionados,
infere-se que a atividade policial é considerada
perigosa e insalubre, podendo o policial
aposentar-se com proventos integrais após 30 anos de serviço, com no mínimo 20 anos no
exercício em atividade estritamente policial.
Por sua vez, a Lei Complementar Estadual nº 1.062/08 estabeleceu requisitos e
critérios
diferenciados para a concessão de aposentadoria voluntária aos integrantes das carreiras policiais,
assim dispondo o art. 2º do
diploma:
Art. 2.º Os policiais
civis do Estado de São Paulo serão aposentados voluntariamente,
desde que atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I cinquenta e cinco anos de idade, se homem,
e cinquenta anos de idade, se mulher;
II trinta anos de contribuição previdenciária;
III vinte anos de efetivo exercício em cargo de natureza
estritamente policial.
E o art. 3º da referida norma traz em seu bojo a seguinte regra de transição:
Art. 3.º Aos policiais que ingressaram na carreira policial civil antes da vigência da Emenda Constitucional nº 41, de
19 de dezembro de 2003, não será exigido o requisito de idade, sujeitando-se
apenas à comprovação do tempo de contribuição previdenciária e do efetivo exercício em atividade
estritamente policial,
previstos nos incisos
II e III do artigo 2.º desta lei
complementar.
Na espécie, verifica-se da certidão juntada à fl. 38/38vo, que o
impetrante, escrivão de polícia, ingressou nos quadros da Polícia
Civil do Estado de São Paulo em 10.09.90. Em referido documento consta
que em 08 de agosto de 2011 o apelante contava com
32 anos, 3 meses e 29 dias
de tempo de serviço, bem como que possuía mais de 20 anos de serviço
estritamente policial.
Dessa forma,
constatado que o autor labora há mais de 30 anos, em 20 pelo menos em atividade estritamente policial,
reputam-se, portanto, cumpridos os requisitos exigidos,
fazendo
ele
jus
à
aposentadoria especial. E, ainda, verificado
seu ingresso no serviço público antes da publicação das Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03, também fica reconhecido seu
direito à paridade e à integralidade
de proventos, nos termos do parágrafo 4º do art. 40 da Constituição Federal,
segundo o texto da EC 47/05, in verbis:
“§ 4º É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão
de aposentadoria aos
abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos
definidos em leis complementares, os casos de servidores:
(...)
III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou
a integridade física.”
Nesse
sentido,
já
decidiu
este
E.
Sodalício em casos semelhantes:
“MANDADO DE SEGURANÇA. POLICIAL CIVIL. APOSENTADORIA
ESPECIAL. PLEITO DE PARIDADE
E INTEGRALIDADE REMUNERATÓRIA. SERVIDOR QUE PREENCHE AS EXIGÊNCIAS
LEGAIS. Provimento da apelação.”
(AC nº 0017986-85.2012.8.26.0053, Relator
Ricardo
Dip, 11ª Câmara de Direito Público,
j. 11.06.2013)
“Apelação Cível. Mandado
de Segurança.
Policial Civil em exercício. Aposentadoria especial.
Pretensão de ver reconhecido seu direito a inatividade, com paridade e integralidade dos
proventos, nos termos da Lei Complementar n.º 51/85. Liminar e ordem denegadas
na origem. Admissibilidade da pretensão. Aplicação ao caso sub judice do art.
3º da Lei Complementar
Estadual n.º 1.062/2008. Lei estadual que dispõe sobre
requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria
voluntária aos policiais
civis do Estado de São Paulo. Exigência, na espécie,
tão somente de comprovação de 30 (trinta)
anos de contribuição e 20
(vinte) anos de efetivo exercício
de atividade estritamente policial.
Entendimento firmado
pelo STF em julgado ao qual foi
atribuída repercussão geral (STF, TP, ADI 3.817,
Rel. Carmen Lúcia, j. 13.11.2008). Preenchimento das condições para a aposentadoria. Sentença reformada. Recurso
provido.”
(AC nº 0017454-14.2012.8.26.0053, Relator Rui Stoco,
4ª Câmara de Direito Público, j. 18.03.2013)
“Recursos oficial e de Apelação.
Policial Civil. Investigador de Polícia.
Pretensão de aposentadoria
com proventos integrais
após trinta anos de
serviço, vinte dos quais exercidos em atividade policial.
Possibilidade. 1. Incidência da Lei Complementar nº
51/85, recepcionada pela Constituição
Federal. 2. Matéria de
repercussão geral decidida
pelo STF. 3. Edição
da Lei Complementar Estadual nº 1.062/2008.
4. Presença dos requisitos
autorizadores da aposentadoria especial. 5. Precedentes Jurisprudenciais. 6. Correção
monetária e juros de mora devidos de acordo com o artigo 1º-F da
Lei Federal nº 9.494/97,
com a redação da Lei Federal nº
11.960/09. 7. Ação distribuída após o início de sua
vigência. 8. Aplicabilidade da novel legislação. 9. Ação julgada procedente. 10. Sentença de procedência parcialmente reformada apenas para determinar
a incidência da Lei Federal
nº 11.960/09. 11. Recursos
oficial e de apelação
providos em parte para tal fim.”
(AC nº 0039527-82.2009.8.26.0053 Relator
Francisco
Bianco j. 01.10.2012)
Portanto, diante da
existência de leis complementares que
estabelecem critérios diferenciados para a aposentadoria especial
do servidor policial
civil, e tendo o autor cumprido os requisitos legais exigidos, de rigor a concessão da ordem para declarar o direito do
impetrante ao benefício previdenciário
pleiteado desde a data do requerimento administrativo, bem como ao recebimento dos reflexos pecuniários
desde a citação da autoridade coatora.
Ainda, cumpre
ressaltar que não se
aplica a Lei nº 10.887/2004 para
o cálculo dos proventos dos servidores
que ingressaram no serviço público antes da publicação das Emendas
Constitucionais
nos 20/1998 e
41/2003.
Observa-se que as quantias
devidas pela
apelada, decorrentes do reconhecimento da aposentadoria especial do impetrante, deverão ser
corrigidas monetariamente desde o vencimento de cada
parcela e com incidência de juros, a partir da citação
(art. 219 do CPC), tudo na forma da Lei nº
11.960/09.
A propósito, apesar de
declarada a inconstitucionalidade, por arrastamento, do artigo 5º da Lei no 11.960/09 pelo Excelso Pretório,
nos autos das ADI's
nos 4357 e 4425, embora já publicada, tal decisão não transitou em julgado, e, ainda segundo orientação da própria Corte Suprema2, a referida norma
deverá ser aplicada até eventual modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade (artigos
27
e
28
da
Lei
9.868/99).
Aliás, seguindo a
orientação do Supremo Tribunal Federal, a Presidência deste E. Sodalício expediu o
Comunicado n.º 276/2013:
“A Presidência do Tribunal de Justiça, face à declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional nº 62/2009,
comunica que serão
mantidos, de acordo com a sistemática atual, os trabalhos
desenvolvidos pela
Coordenadoria e Diretoria de Execuções
de Precatórios e Cálculos deste Tribunal de Justiça,
até a publicação e modulação
do acórdão proferido
pelo Supremo Tribunal Federal
nos autos da ADI 4357.”
Ademais, tendo em
vista que a declaração de inconstitucionalidade em questão
opera efeito erga omnes, após seu trânsito em julgado, o quanto decidido no Acórdão proferido
nas ADIN's nos 4357 e 4425 abrangerá,
2 Despacho proferido
pelo Min. Luiz Fux na ADIN no 4.425 (DJe 15.04.2013); Medida
Cautelar
na Reclamação no 16.858/RS, Rel. Min. Dias Toffoli
(DJe 31.01.2014); Medida Cautelar
na Reclamação no 16.745/SC, Rel. Min. Teori Zavascki (DJe 19.11.2013); Medida Cautelar
na Reclamação no 16.855/RS,
Rel. Min. Cármem Lúcia (DJe 10.02.2014).
independentemente de nova decisão judicial, os processos e execuções em curso, de modo que não se vislumbra prejuízo
ao impetrante.
Custas na forma
da lei, não
sendo devidos honorários advocatícios, nos termos do artigo 25 da Lei no 12.016/09.
Para fins de possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, dou por prequestionadas as matérias constitucionais e legais alegadas em recurso pelas partes,
nos termos das razões
de decidir já externadas no voto, deixando
de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou tidos
como
aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do
declinado.
Ante tais ponderações, dá-se provimento
ao recurso.
RENATO DELBIANCO Relator